1941

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Desde a sua célebre Declaração de Independência que os Estados Unidos da América (EUA) oscilam entre o isolamento e e a intensa intervenção global. Os recentes obituários de Henry Kissinger na imprensa destacaram o lado negro desta última opção. Por acção directa ou silêncio ensurdecedor o “polícia do mundo” foi responsável por momentos trágicos. Como exemplos ilustrativos – há muitos outros – os bombardeamentos no Camboja permitiram a ascensão de Pol Pot, e na América do Sul o apoio às ditaduras militares deixou um rasto de crueldade que ainda hoje se sente. Mas uma leitura da história isenta desagua necessariamente numa matriz cinzenta, por oposição ao prisma a preto e branco típico do clima tribal em que vivemos.

Em momentos concretos do século passado, o papel dos EUA foi fundamental para o equilíbrio geopolítico. Nesse sentido destaco o ano de 1941. A Segunda Grande Guerra avançava com ferocidade. Em Agosto Churchill tentaria obter, em vão, mais apoio de Roosevelt. Ainda assim a bordo do HMS Prince of Walls é desenhado um compromisso para o futuro. A chamada “Carta do Atlântico” é louvada pelo estadista nas suas memórias: “Só o facto de os Estados Unidos da América, tecnicamente neutrais, assinarem com outro país beligerante uma tal declaração foi um acontecimento espantoso”. Era de facto notável, mas persistia a ausência de soldados americanos no conflito. Existia um claro distanciamento da opinião pública norte-americana, ainda que com honrosas excepções. A vida continuava quase sem alterações nos EUA. As grandes bandas tocavam swing com optimismo e Hollywood crescia como poderoso meio de comunicação: a obra prima “Citizen Kane”, estrearia nesse ano. Para quê, portanto, abdicar do conforto por um conflito “distante”? Só um evento trágico poderia mudar esta percepção. E em Dezembro de 1941 esse momento chegaria com o ataque não provocado da aviação nipónica à base militar de Pearl Harbour. “Acordámos um gigante adormecido” diria o general Yamamoto. Ainda que apócrifa, a frase resume bem o que se passou. O fim do isolamento dos EUA alteraria o rumo da II Guerra Mundial. 

No próximo ano o rumo da guerra na Ucrânia também pode sofrer um profundo revés com as eleições dos EUA. É que o apoio europeu, apesar de não ser negligenciável, é ainda insuficiente, com brechas fomentadas por Órban e algo errático. Daí a importância das eleições presidenciais. Mas o partido republicano vocifera “nem mais um dólar” e fomenta o isolamento, com a excepção do apoio incondicional ao governo de Netanyahu. Um eventual segundo mandato de Trump será tenebrosamente mais organizado. A máquina está montada com apoiantes fervorosos. E é sabido o “enamoramento” de Donald Trump perante homens fortes como Putin e Xi Jinping. Este último poderá, aliás, aproveitar a janela para avançar sobre Taiwan. Portanto só a vitória de Biden pode garantir alguma moderação. Como escreveu Mark Twain “história não se repete, mas rima”.

(Crónica publicada no Diário de Aveiro de 12 Dez 2023)

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